Avançar para o conteúdo principal

Um elefante numa loja de porcelana

Apesar de ser um elefante cada vez mais pequenino e cor-de-rosa e de as lojas terem corredores mais largos, de vez em quando ainda me sinto como um elefante numa loja de porcelana. Por muito que não queira, tenho um medo desgraçado de fazer estragos. Como a porcelana é muito sensível e eu sou pouco delicada, a coisa pode não correr lá muito bem. Por isso, procuro observar as montras das lojas de porcelana, espreitar lá para dentro, apreciar a beleza e a delicadeza das peças cá de fora, sem que tenha muita possibilidade de fazer estragos.

Para se pegar em porcelana ou para simplesmente passar por ela numa atitude apreciativa é preciso que a porcelana esteja preparada para ser pegada ou apreciada. E por vezes, eu, elefante cor-de-rosa, esqueço-me disso. E pronto, entro loja adentro como se não houvesse amanhã. Só depois é que penso que poderia ter feito estragos...e uma peça partida, mesmo que se volte a colar, nunca mais fica na mesma. Fica colada. Mas não fica no seu estado original. E se me distrair muito, sou capaz de dar cabo de uma loja inteira. Com fúria ou então com muito entusiasmo, sou capaz de mandar uma loja abaixo. A minha sorte é que sou um elefante aprendente e a vida já me ensinou que só se entra numa loja quando a loja nos deixa entrar. E entra-se devagarinho, com pézinhos de lã, a ver se os corredores são largos e se as peças estão bem embaladas. E tenho cuidado a encolher a tromba e a encostar as orelhas. Temperança é a palavra de ordem. 

Um elefante tem sempre medo de fazer asneira numa loja de porcelana. Tem sempre medo de extravasar as suas (já tão grandes) fronteiras. É muito fácil pisar o risco e invadir um espaço tão delicado. Podendo causar estragos. Às vezes sinto-me assim. Principalmente quando entro pelos outros adentro. Nunca sei quando é que um pendular de tromba não derruba qualquer coisa frágil. Como me é relativamente fácil invadir o espaço interno dos outros, perceber-lhes as feridas, os medos, as dificuldades, as fragilidades, etc.,  nunca sei bem se o próprio ato de perceber não pressupõe já uma certa invasão. Mas é mais forte do que eu...as pessoas de quem gosto muito, as que amo, as que me são significativas, são percebidas. Porque lhes dedico atenção. Dedico-lhes o meu afeto, o meu olhar. E esta mistura destes ingredientes: atenção, afeto e olhar com olhos de ver, normalmente traz o conhecimento, a compreensão, a empatia. Tenho sempre receio que as pessoas se sintam violentadas pelo que eu percebo delas...tenho medo que se sintam colocadas a nu, que se sintam despidas, transparentes, sem defesas. Tenho medo que elas sintam que eu lhes leio os pensamentos e a alma. Eu não leio nada, apenas sinto porque estou atenta a quem amo. Preocupo-me. Quero saber. Saio da minha pele e deixo o meu umbigo sossegado para ver o que é que o umbigo do outro precisa. Não se precisa de ter talentos sobrenaturais. Apenas se precisa de ter atenção. Olhos de ver. Basta isto e um interesse genuíno pelo outro. Se esta atenção fosse recíproca entre as pessoas, ninguém se sentiria invadido ou indefeso. Todos se sentiriam amados, cuidados, compreendidos...mas esta atenção que dedico aos outros é um bocadinho rara, se bem me parece. E faz com que os outros se sintam ou pareçam ser de porcelana. E faz com que eu me sinta um elefante.

Ser como um elefante não é uma coisa lá muito elegante. Não é delicado, como as senhoras devem ser. É uma luta constante para refrear o tamanho do nariz e a força que se tem. É a preocupação constantemente em medir o espaço entre o eu e o outro. É procurar não levar tudo à frente. É tentar o equilíbrio entre o ser um animal da savana ou um bicho do mato. Às vezes também me sinto como um desenho animado. Um elefante cor de rosa, vestido de bailarina, com chapéu de sol pequenino a fazer o número de andar no arame. Andar no arame sem nos estatelarmos no chão implica mesmo muito equilíbrio!!! Talvez seja esta a busca incessante de um elefante cor de rosa que se preze: a busca pelo equilíbrio em (e entre) todas as dimensões da sua vida. Principalmente porque apesar da sua força, o seu coração tem uma dimensão proporcional ao seu tamanho. E, como se sabe, no coração é onde o sofrimento se instala. Quanto maior, maior a capacidade de armazenamento. Cabem milhares de paletes arrumadas por categorias: sofrimentos, tristezas, desastres, asneiras e  mais o que se quiser. A sorte é que com a mesma velocidade que se armazenam coisas menos positivas também se armazenam coisinhas boas. Daquelas que aquecem a alma. E que põem cola na porcelana partida...

Comentários

As mais lidas...

Os olhos da alma

Existem olhares que matam. Não matam a vida mas matam o coração e a alma. Hoje estou neste comprimento de onda. A pensar na importância que os olhares têm. Eu, que sou uma pessoa cheia de palavras e que adoro este tipo de expressão, sou uma franca apreciadora de olhares. Não só de olhares como também de todo o conjunto de formas não verbais de comunicarmos uns com os outros. Da mesma forma que o nosso subconsciente e o nosso coração são muito mais inteligentes que o nosso cérebro e que a nossa racionalidade, o não verbal expressa muito mais sinceramente o que o outro está a pensar ou a sentir. E o olhar é majestoso nesta forma de comunicar. Penso que existem olhares que salvam e olhares que condenam. E não são necessárias quaisquer palavras a acompanhar o que se diz com os olhos.  Neste momento tenho os pensamentos a mil à hora (o que não é difícil, tratando-se de mim). E penso nestas coisas dos olhares. Da importância que tem olharmos os outros, olhos nos olhos, de igual para igu

Corações à janela

De vez em quando o meu coração sai fora do peito. Deixa um lugar vazio. Cheio de nada. Vai espreitar à janela. Vai ver se existem outros corações como ele, a espreitarem, a ver se encontram o que lhes falta. Quando se espreita à janela de uma casa vazia, vê-se fora uma multidão que ainda torna mais vazia a casa da janela onde se espreita. A janela de onde o meu coração espreita tem uma vista colossal sobre a rua da amargura. Da janela vêem-se outros corações a espreitar. Uns despedaçados, outros partidos. Todos os corações inteiros e de saúde encontram-se dentro do peito onde pertencem. Quanto muito, passeiam de um peito ao outro quando se trocam palavras de amor. Não espreitam à janela de casas vazias. Mas uma casa vazia torna-se muito grande, muito solitária e muito fria para que um coração rasgado possa estar sozinho em paz a sangrar. Tem que se entreter e vai espreitar à janela. Tem que ver se encontra um outro coração com quem possa partilhar as mágoas. E faz adeus aos outros

A parvoíce de verão

Resolvi renovar a imagem deste blog. Os meus mundos necessitam de ser dinâmicos. Diz-se que as aquarianas são assim. Detestam rotinas e mais do mesmo. Assim, vou alterando o que posso alterar. Com tantas cores que a vida tem, não é necessário andar-se  sempre com os mesmos tons. Por outro lado, quando não se consegue mudar questões estruturais da nossa vida (embora nos apeteça) vamos mudando o que podemos mudar, o que está ao nosso alcance.  Resolvi então arejar um dos meus mundos mais queridos, o da escrita. Como sou eu própria, mantenho uma certa constância em termos cromáticos e de forma. Há coisas que aqui, tal como na vida, não abdico. São muito próprias, muito minhas. De resto, adoro experimentar tudo o que é diferente de mim. O que é meu eu já conheço. Interessa-me experimentar tudo o que é novo. Deve ser mesmo por ser aquariana de signo com ascendente em aquário. Muito aquário por metro quadrado! Não me safo do exotismo deste arquétipo. Falo disto como se percebesse alguma