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Andar sobre o fogo

Hoje tive uma conversa que me fez começar a borbulhar. O meu cérebro e o meu coração ligam as turbinas e desatam a produzir umas bolhas de qualquer coisa que têm que saltar cá para fora. E tudo começou com um "cair de ficha", como costumo dizer. De repente, cai-nos uma ficha e descobrimos qualquer coisa que sempre esteve à frente dos olhos e nunca tínhamos conseguido ver. Ou descobrimos uma coisa nova que faz todo o sentido na nossa vida. Ou que tem a ver com o próprio sentido da nossa vida. Estas quedas de ficha também me acontecem de vez em quando. Hoje em dia, as minhas fichas caem muito mais facilmente, sem muito esforço, e sem ser necessário montanhas de sofrimento. Houve muitas aprendizagens e descobertas que fiz, no passado, a toque de caixa. Com muita dor. Com muito coração partido. Com muitas lágrimas. Hoje em dia, parece que sou melhor aluna e as descobertas já não doem tanto. Já são mais fáceis. Quando conseguimos entender que o sentido da nossa vida passa muito pela evolução da nossa alma, a coisa suaviza-se. Quando deixamos a vida fluir, resistindo à tentação de controlar seja o que for ou quem for, respirar torna-se mais fácil. Quando somos capazes de ir aceitando (melhor ou pior) aquilo que não depende de nós para mudar, o sofrimento atenua-se. E, por ultimo mas não menos importante, quando conseguimos ter no peito um verdadeiro sentimento de gratidão por aquilo que a vida nos proporciona, começamos efetivamente a viver no sentido pleno da palavra. Aceitando que não somos perfeitos. Aceitando que os outros não são perfeitos. Aceitando que fazemos escolhas erradas. Aceitando que os outros fazem escolhas que nos parecem erradas. Entendendo que podemos sempre voltar a escolher. Que construir, desconstruir e construir de novo faz parte do viver plenamente. Faz parte do jogo. E que a dimensão temporal também é uma variável muito importante a considerar. Tudo tem o seu tempo certo. Tempo de amadurecimento, tempo para o entendimento. Não vale a pena apressar a vida. Não vale a pena saltar etapas por muito que isso seja tentador. A aprendizagem é um processo que necessita de tempo para poder ser integrada. Não vale a pena tentar enfiar pelos olhos do outro a dentro aquilo que ele não está ainda preparado para ver. Mesmo que esteja à frente dos nossos olhos. Os nossos olhos não são os olhos do outro...e, como a cultura oriental, na sua imensa sabedoria, costuma dizer: "só quando o aluno está pronto é que o mestre aparece". Não vale a pena aparecer antes. Porque até para se aprender, é preciso que exista predisposição. 

Houve um professor meu que me disse uma coisa que ainda hoje guardo e sobre a qual reflito muitas vezes: "só se aprende aquilo que já se sabe". E é tão verdade! Só se consegue aprender sobre a vida e sobre nós próprios se existir uma inquietação mobilizadora. E se já tivermos qualquer coisa atrás da orelha que nos aponta o caminho. Que nos causa desconforto, que nos pica a sola dos pés. O conhecimento já anda cá dentro a bailar embora precise de ser organizado e integrado para que se transforme em aprendizagem. Cada bocadinho de qualquer coisa que se aprende (verdadeiramente) é como um bloco de tijolo que vamos transpor para a nossa vida do dia a dia. Cada coisa que se aprende, executa-se a viver. Se qualquer coisa fica apenas no plano do conhecimento, não faz transformações na vida. Tem que se esperar que caiam as tais fichas. E que, de repente, se faça luz. Eu adoro os caíres de ficha. São assim como um click transformador depois de um conjunto de vivências, experiências, peripécias e outras coisas do género. Misturam-se uma data de ingredientes, por vezes sem nexo, e puf, cai uma estrela na nossa cabeça e ilumina-se a alma. Descobrem-se as nossas verdades. Descobre-se a parte mais maravilhosa do nosso ser: a nossa essência! 

Estas fichas costumam cair a pessoas especiais. Principalmente àquelas que são cheias de talentos e de capacidades e que não sabem para que lado hão de ir. Porque sabem (às vezes inconscientemente) que poderiam ir para todos os lados que desejassem. Mas não sabem bem o que desejam. Têm dificuldade em escolher. Principalmente em escolher com o coração. Pensar com o coração e sentir com a cabeça. Isto é muito difícil de se fazer. É preciso que se percam muitos medos, receios e outras emoções menos positivas. É preciso sacudir esta tralha toda dos ombros e dar o peito ao que vier. Com muita confiança e com muita coragem. Isto também é muito difícil de ser feito. Mesmo para pessoas muito especiais. Mas não é nada impossível. Está perfeitamente ao alcance. Basta que se tenha muita vontade e que se encontre um sentido de vida, um móbil. E esse sentido tem que ser procurado lá dentro, no interior do coração. Nada se pode passar fora como deve de ser se não conseguirmos arrumar a nossa alma por dentro. Este processo é um dos tais que precisa do seu tempo. De paciência e de coragem. Para se olhar para dentro com olhos de ver, é necessário que se tenha muita coragem. Quem conseguem andar sobre o fogo ainda melhor consegue pisar os trilhos interiores. Sem medo de se queimar. Quem põe os pés nas brasas acreditando que uma passada forte e decidida evita a dor e a queimadura, é porque tem fé. Acredita que é assim apesar de tudo indicar o contrário. E a vida constrói-se com este tipo de fé. Atirando-se para voar, com a fé de que, no momento exato em que são necessárias, as asas aparecem. E funcionam. A fé pode ser definida desta forma. Andar sobre o fogo é um ato de fé. Olhar para dentro e descobrir-se a si próprio também é um ato de fé. Porque ter fé é ser mais forte do que o medo que se sente. E quando se leva a vida a toque de fé, olha-se o medo nos olhos, de frente. Quando se põe os pés descalços nas brasas, também se encara o medo, ombro a ombro. E o medo tem muito medo deste tipo de coragem. Apouca-se, diminui e desaparece. Ou deixa de causar mossa. Fica atirado para um canto qualquer...

E no dia em que somos capazes de ser mais fortes do que os nossos medos, as fichas caem. E as descobertas fazem-se. E a vida interior começa a organizar-se. O problema é que na esmagadora das vezes, quando o interior se organiza e se descobre, o exterior deixa de fazer sentido. Descobre-se que não se pertence à vida que se tem. Que o material de construção que usámos foi oco e alicerça uma realidade que já não existe cá por dentro. E isto é uma grande chatice...o desalinhamento que existe entre o "eu" e o "mundo". Onde pertencia, já não pertenço. O que fazia sentido, já não faz. O que foi já não é. A má notícia é que não se pode voltar atrás. Fez-se o que se foi capaz de fazer. Ponto. A boa notícia é que se pode começar de novo. Cada vez que o sol se levanta, dá-nos mais 24 horas de possibilidade de alinhar a vida. De alinhar o "fora" com o "dentro". O fora tem que estar em consonância com a nossa essência, com os nossos mundos interiores. Não é o contrário. Fica-se doente quando anulamos o nosso âmago, o nosso interior para que se possa encaixar no ambiente externo. Fica-se doente a valer. Fica-se triste. Sem ânimo. Perde-se a vida. Perde-se a maravilha da vida. Quem consegue andar sobre o fogo, duma pernada, ultrapassando-se a si próprio, também é capaz de começar de novo, devagarinho, com serenidade, com fé e com coragem. Quem perde o medo de se queimar também perde o medo de viver de acordo consigo próprio. E é só ouvir o coração, o melhor incentivo vem de dentro. Afinal, tudo o que temos de melhor, vem de dentro. 



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