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O fim do mundo

Há dias em que não me apetece escrever. Não é muito bom sinal. Normalmente é sinal de tristeza, daquela que não se trata com as palavras. Ou então apetece-me praguejar com alguns aspetos da vida. E como vou tentando ser melhor pessoa todos os dias (mesmo naqueles em que não consigo e em que me sinto um bicho ruim capaz de bater em meio mundo) opto por não escrever palavras duras, a rasgar. Não ajuda ninguém. Talvez nem me ajude a mim própria. E reforça o meu lado mais lunar, de alguma têmpera fora de ordem, a roçar a fúria. A fúria é o meu pecado mortal. Enfureço-me muito facilmente. Facilmente demais para o bem da minha alma. Esta é a minha luta diária, acalmar os ímpetos e a busca pela serenidade e pela paz.

E mais uma vez comecei a desenvolver o assunto pelo lado contrário. Sou perita nisto! Na verdade, hoje é um dos dias em que tenho que escrever senão rebento. Em que tenho as palavras e os pensamentos a bailarem na minha cabeça. E esta dançaria toda incomoda-me. Não me consigo focalizar noutra coisa enquanto não despejar o que me vai na alma. Por vezes, a partir de uma conversa qualquer, fico a matutar num determinado pensamento e tenho que o estampar cá fora para voltar a ter sossego. Então, para sossegar, tenho que falar no fim do mundo. Ou melhor, conversar sobre aquela vontade que dá nas pessoas de irem para o fim do mundo. Se pudessem, iam para o fim do mundo. E isto é um bocadinho aborrecido, porque assim de caras, o mundo não tem um fim. Eu entendo o que isto quer dizer embora não tenha este tipo de ganas. Tenho outras. Às vezes apetece-me hibernar. Fechar-me e só me soltar quando o mundo à minha volta estiver diferente. E isto porque me custa a aceitar aquilo que não posso mudar. Tenho a tal costela muito resolutiva e não gosto de deixar coisas penduradas ou por resolver. Quando não é possível mudar o que não me pertence, o que não está na minha mão, apetecia enfiar-me dentro de um casulo e dormir em paz sem que nada me aborrecesse. Adormecia na esperança de que quando acordasse, para além de me ter transformado numa linda borboleta, também tudo cá por fora já estaria no seu devido lugar. Estas são assim as minhas vontades de fuga à realidade. Como sou também um bocado bicho-do-mato (muito pouca gente sabe disto…mas sou mesmo), é sempre mais feminino enfiar-me num casulo do que numa toca qualquer. Parece mais delicado, mais levezinho…mas continuando no que interessa: esta é a minha forma fantasiosa ou mágica, se assim se quiser dizer, de lidar com a realidade. Cada um de nós terá a suas próprias formas de o fazer.

No caso da minha estrelinha, apetecia-lhe ir brilhar para o fim do mundo. O que é francamente difícil porque, como já disse, o mundo não tem fim. É redondo como se sabe. Como são redondos os problemas da nossa vida. Se não os resolvemos, eles continuam a voltar, como se orbitassem à nossa volta. Como se sabe, as orbitas também são redondas, ou quase redondas, vá lá, no máximo, elípticas. E os problemas vão andando sempre à nossa volta, mais próximos ou mais distantes, dependendo do ponto orbital em que se está. Mas voltam sempre ao local onde doem, por vezes ganhando ainda mais peso, mais velocidade, mais tamanho. Podemos mandar os problemas dar um giro (ou vamos nós dar o tal giro deixando os problemas no sítio) mas quando este se completa, normalmente, as coisas não se resolveram por si só. Os problemas continuam os mesmos. Diz-me a experiência que até fermentaram. Cresceram. Tornaram-se maiores desde a última vez que os vimos. E quanto maiores são, mais custam a resolver e mais doem. São assim como uma nhanha daquela que se vai espalhando pelo meio ambiente onde se encontram. Podem ser assim como uma pequenina ferida que não se desinfeta ou que não se cuida e que se torna numa infeção generalizada.

Uma outra chatice que normalmente advém de se querer ir para o fim do mundo é o facto de nós próprios irmos para lá também. Podemos fugir (momentaneamente) dos nossos problemas mas não fugimos de nós próprios. O que nos mói, continua a moer. E o que nos dói continua a doer. É assim, mal comparado, como uma paz pobre. Empurra-se com a barriga e faz-se de conta que os problemas ficaram a muitos quilómetros de distância. Pode aliviar, de facto. Mas não deixa de estar tudo cá dentro, na mesma. E também não deixa de estar tudo onde se deixou antes de se abalar para o fim do mundo. E sofre-se. E existe uma linha ténue que separa a liberdade da solidão. É preciso ter-se sabedoria para que aquilo que hoje é liberdade não se transforme amanhã em solidão, daquela brava. Não há bela sem senão. E uma fuga nunca é uma solução. Pode ser uma resolução disfarçada. E tudo o que se disfarça, tarde ou cedo se destapa. É assim. Tenho cá para mim que até deve ser uma das tais leis do universo. A verdade vem sempre ao de cima, quer se queira, quer não se queira, tarde ou cedo. Também não deixa de ser verdade que de vez em quando é preciso distanciarmo-nos dos problemas para os podermos ver em toda a sua amplitude. Não é no meio da confusão que se vêem prismas. É preciso alguma distância para se serenar e para se encontrarem as melhores soluções. As que dão paz interior são sempre as melhores. Mesmo que pareçam esquisitas aos olhos dos outros. A distância com que nos afastamos dos problemas também tem que ter um meio-termo. Se nos distanciamos demais, os problemas podem aparentar ser um pontinho pequenino lá no horizonte, quando, na verdade, podem ter a altura do Kilimanjaro. A distância tem que ser equilibrada. E o equilíbrio é muito útil em todas as resoluções de vida. 

A minha estrela é bonita a brilhar em qualquer lado. Também no fim do mundo, se conseguir descobrir onde isso fica, será uma estrelinha maravilhosa. Triste mas maravilhosa. Maravilhosa de essência porque isso é indestrutível. Contra a tristeza é que não há nada a fazer lá para os lados do fim do mundo. Ouvi dizer que por lá, a tristeza ainda tem umas garras mais fortes que se cravam no coração das estrelas. É preciso ser-se blindado para que isso não aconteça. E se uma estrela for blindada não é uma estrela. Ou eu tenho estado muito enganada e já não entendo nada de nada do coração das pessoas, ou das estrelas, como se quiser.

Talvez a minha estrelinha não saiba que tudo na vida tem o tal equilíbrio ou a tal balança. Que ganhar e perder são os dois lados da mesma moeda. Quando nos queremos livrar daquilo que nos magoa, de qualquer maneira ou fugindo, estamos a deitar uma data de bebés fora com a água do banho. A água já não nos serve mas os bebés são preciosos. Quando vamos para o fim do mundo, não levamos o que nos magoa mas também não levamos o que nos faz bem nem o que nos dá alegria. Fugimos dos papões mas também fugimos dos ursinhos de peluche. E deixamos que os papões sejam mais fortes e mais importantes que os ursinhos de peluche, que vão ficando cada vez mais pequeninos sem terem quem nanar. Ir para o fim do mundo tem destas coisas. Permitimos que o que é mau seja mais importante e forte do que o que é bom. Permitimos que os desamores sejam mais fortes que os amores. Deixamos cair bons bocadinhos de vida pelos degraus abaixo só para que os maus bocadinhos não subam pela escada acima. Talvez a minha estrelinha pense que no fim do mundo não existem degraus. É tudo direitinho. Mas não é. Porque o fim do mundo tem montes de tristezas que levamos connosco e tem uns buracos muito fundos, feitos do vazio que deixámos para trás. E mesmo sendo o fim do mundo, longe, longe, esses buracos vazios arranjam maneira de comunicar com os buracos vazios que ficaram nos peitos de quem perde estrelas. E o vazio, quando se encontra, multiplica-se.

Aprender a fazer com que aquilo que nos faz bem seja mais importante e mais forte do que aquilo que nos faz mal não é para qualquer um nem é assim tão fácil. Tem que se treinar muito, todos os dias. Tem que se ser obstinado. Tem que se ser peitudo para a vida. Tem que se ter muita coragem. A coragem de enfrentarmos o que está dentro de nós, de forma nua e crua. Coragem para enfrentar o que está à nossa volta. Coragem para pedir ajuda, se for necessário. Não é fácil baixarmos a guarda para olharmos para além da nossa carapaça. É preciso coragem para nos permitirmos ser frágeis nem que seja só por um bocadinho. É preciso termos muita, muita força para sacudirmos dos nossos ombros o que tanto nos carrega e nos faz vergar a alma. Esta supremacia do bem e do amor parece ser tão difícil embora seja tão óbvia. Tento que assim seja todos os dias. Nem sempre consigo mas esforço-me. E não sou uma estrelinha brilhante já com estas coisas enfiadas no meu DNA. Conheço uma estrela que tem todo o potencial. Já veio assim. É só querer que assim seja e deixar que a sua essência conduza a sua luz. E o fim do mundo deixa de ter qualquer piada.

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