Estou a fazer um esforço para escrever. É como se estivesse a fazer um esforço para respirar. O que para mim é muito dramático.
Mas tenho tentado conter tanto a minha torneira emocional que não há pinga de nada. Contenção tem sido o imperativo no meu estado de espírito. Mas já estou aborrecida de tanto conter. Vai contra a minha natureza. E até o corpo já começa a dar sinal, começa a queixar-se destas maldades que ando a fazer a mim própria. A conter, a fechar o coração, a gerir a impotência. Esta coisa de lidar com a impotência é Karma. Ver as coisas e as vidas a entortarem ou a manterem-se tortas, sem nada poder fazer para as endireitar. Não são as minhas vidas, são as dos outros. São o produto de escolhas e de caminhos que se seguiram. E como se costuma dizer nestas linguagens mais espiritualizadas, se cada um planta o que lhe dá na real gana, colhe exatamente o produto da sua sementeira. Esta é uma lei universal para a qual não há escapatória. Escolhemos o que queremos mas as consequências das nossas escolhas vêm sempre parar-nos ao colo.
Eu sei estas coisas e também sei que tudo isto é fundamental para a evolução da nossa alma. Mas não consigo deixar de sofrer com as pessoas que para mim são tão significativas. E a impotência também me enerva. E assim, para tentar sobreviver a estes tornados que andam a virar as vidas dos meus queridos ao contrário, fecho tudo o que há para fechar. Quer dizer, o que consigo fechar. Como o meu coração tem a sua vontade própria é preciso trazê-lo bem trelado. E às vezes até açaimado! Deus me livre! Esgoto-me nestas lutas comigo própria. E faço um esforço imenso para tentar integrar a impotência e a perda na minha vida. Faço um esforço para tentar que esta integração decorra de forma saudável e construtiva. A história da minha vida contém episódios de perda e de impotência. E acredito que tudo tem um propósito e uma finalidade, mesmo quando não consigo ver um palmo à frente do nariz. Nestas alturas, procuro recolher-me um bocadinho, refletir e tentar observar a vida de todos os prismas. Nem sempre consigo. A tentação de hibernar, de desligar a pilha, de me afastar, de deixar ir, é muito grande. E tento contrariar esta tendência que tenho. É uma forma muito básica de lidar com o sofrimento. É uma resposta imediata. E tendo esta noção, tenho que a contrariar. Porque não posso hibernar e perder vida ou perder pessoas (pelas minhas próprias mãos) porque não as soube agarrar num momento em que elas nem sabiam de que terra eram…procuro também pensar que apenas vemos, nos outros, as pontinhas dos icebergues. Para além do gelo da superfície, existe, em profundidade, um universo que condiciona toda a parte visível. Sei ainda que o mesmo comportamento pode ter causas muito diversas. E que a nossa interpretação é apenas feita à luz da nossa referência. E existem tantas referências quantas as pessoas. Apesar de saber estas coisas todas, também tenho os meus momentos de fraqueza, em que o sofrimento é maior do que o resto. E quando estes momentos se aproximam, tranco tudo o que encontro por mim a dentro e por mim a fora. Para me salvaguardar. Para conseguir prosseguir com a vida sem que se note muito do que se passa cá na alma. Mas tudo isto é um erro. Guardar emoções que nos entristecem, que nos densificam, é uma grande asneira. Fechar-me sobre mim própria é uma asneira ainda maior. O pensamento torna-se circular porque ninguém me ajuda a ver outro ponto de vista. O corpo apita e começa a somatizar, os olhos perdem o brilho, o sorriso e a voz perdem a sua alegria natural. Quando já me estou a sentir como uma uva-passa, bem amachucada por mim própria, lá acordo para a vida. É que quando se tranca o coração para não se sofrer tanto, também lá ficam fechadas a esperança, a alegria e a avidez de vida. Aquelas coisas que melhor me definem. Trancar o coração é um dos disparates que de vez em quando faço. Principalmente quando não sei o que fazer com tudo o que sinto. Tranco e deito a chave para qualquer lado. A minha sorte é que lhe tenho um cordelinho atado por questões de segurança. Da minha própria segurança. E quando começo a escorregar muito, a deixar-me ir na minha tristeza, puxo o cordel e lá vem a chave ter comigo. Estou com ela na mão. Ainda não resolvi abrir a fechadura. Estou aqui num ponto de equilíbrio em que tenho que me decidir. Mas tenho medo da avalanche que aí possa vir. Se destranco o coração, vou também destrancar as lágrimas e lá tenho que as deixar vazar até à última gota. Se o fizer, tenho que estar preparada para lavar a minha alma com todas as lágrimas salgadas que cá cabem dentro. E para lavar a alma, os olhos têm que ficar com muitos papos e muito vermelhos. Gastam-se muitos lenços de papel e molham-se muitas almofadas. Não sei me apetece. Não sei se estou capaz de o conseguir fazer. Sinto alguma fragilidade e algum desalento. Tenho que robustecer as estruturas para poder soltar os cavalos. E ficar como nova, pelo menos até à próxima provação que a vida tiver guardada para mim. Como sempre, peço a Deus que me dê a força, a coragem e a sabedoria para lidar com o que se vai apresentando. E, nesta altura do campeonato, deveria estar a pedir a Deus que me ajudasse a aceitar, de forma serena e pacificada, os cenários que encontro à minha volta. A aceitação sem sofrimento é a mais autêntica forma de respeito que conheço. Ao aceitar pacificamente as opções dos outros, estou a respeitá-los profundamente. Sem dor. Sem mágoa. Como me preocupo imenso com o bem-estar da alma, era neste patamar que gostaria de me encontrar. Aceitante em vez de resignada. A resignação faz sempre par com o sofrimento. São um casal inseparável. A aceitação tem sempre uma correlação direta com o amor incondicional. Muito mais bonito, não é?
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